A minha experiência Carmo Lucena

Tudo começou 10 anos atrás quando fui viver para África.
Certo dia os meus pais decidiram participar à família que íamos embarcar num novo projeto de vida, partindo à descoberta de Moçambique.
Os primeiros dois anos são aquilo a que eu chamo “os anos de adaptação”, são os mais duros, não necessáriamente os mais gratificantes. As adaptações que tivemos de fazer foram desde lidar com uma cultura muito diferente, uma maneira de estar da vida totalmente diferente, à própria alimentação e ao próprio clima. Vivemos dois anos com o que eu chamo de mixed fellings das coisas ótimas e de outras que consideramos muito diferentes ou menos boas.
Nós fomos com um projeto de vida à procura de ter uma vida mais tranquila, onde as crianças, eu e os meus irmãos, crescêssemos de uma forma mais saudável, com menos stress, menos correria e mais contato com a natureza. Moçambique é sem dúvida uma terra de oportunidades para quem quiser trabalhar e fazer a diferença. E fazer a diferença passa, não necessáriamente por dar dinheiro na rua mas sim pela forma como tratamos as pessoas que trabalham connosco.
África é um país muito pobre e é facil mudar a vida e dar novas perspetivas de vida. A nossa infância foi muito boa porque como eu gosto de dizer, é viver em total liberdade e comunhão com a natureza. Houve indiscutivelmente mais tempo em familia e para estar ao ar livre. Tínhamos aulas só até depois do almoço e à tarde brincávamos e jogávamos futebol. Tivemos a sorte de andar num colégio internacional francês do qual gostámos muito e no qual muitos amigos fizemos.
O que é que Moçambique nos ensinou? O viajar, a parte relacional, o convívio com outras culturas e pessoas. Lá a vida é muito tranquila, as pessoas não são hostis nem agressivas, tratam-se bem, cumprimentam-se. Em Moçambique parece que tínhamos muito mais tempo para tudo, para falar seja ao telefone, seja cara a cara, para nos encontrarmos. E lá nós aprendemos a tirar partido de tudo.
Mesmo sendo um país tão pobre tem uma grande cultura. Uma coisa que me fez impressão foi a pobreza, convive-se muito com a morte infantil, mas o grande desafio é tentar encontrar o equilíbrio entre aquilo que sentimos à chegada que é de estranheza, para passar a habituarmo-nos e devemos tentar fazer esse equilíbrio constante de nos tentar situar a meio do caminho, não tentando mudar o mundo mas perceber que o mundo muda com pequenas contribuições de cada um e de formas diferentes, mas não nos podemos habituar à pobreza. Não podemos achar indiferente a pobreza, não podemos ficar indiferentes a ela.
Depois, da mesma forma que os meus pais acharam que na nossa infância era fundamental estar em Moçambique, a uma determinada altura pensaram que precisávamos de uma passagem pela europa para também nela criarmos raízes, nomeadamente, no nosso país. Quanto ao processo de vinda, foi um processo inevitável e não foi fácil. Deixámos para trás o facto de podermos andar mais ao ar livre com um clima espetacular e voltamos para um país onde tudo se passa dentro de casa e onde as pessoas são mais fechadas. Em Moçambique aprendemos a viver com as contrariedades e, por isso mesmo, aprendemos a tolerar as diferenças. Para se gostar de Moçambique tem de se gostar das pessoas, e para se gostar das pessoas e do povo moçambicano temos de os perceber e isso só é possível com o exercício de nos colocarmos no lugar dos outros, e se nós nos colocarmos no lugar dos outros pela nossa vida fora todas as nossas relações se tornam muito mais simples, muito mais ricas. E nós, muito mais humanos.