Africana Emprestada Carolina Francisco

Recordo-me como se fosse hoje, Maio de 2008, com 8 anos de idade. Preparada para entrar quase nas férias de Verão quando um dia, já na hora de ir dormir, os meus pais sentam-se comigo na cama e dizem, “Filha o pai vai para Moçambique trabalhar, e nós vamos com ele”. Fiquei eufórica e confusa ao mesmo tem. Com oito anos a única coisa que me vinha a cabeça era o tamanho do avião. Uma família estava prestes a deixar o seu país, prestes a deixar a sua casa, a sua família, todas as memórias, mas mais importante que tudo estava sem dúvida a começar uma vida nova nunca antes vivida.
Até que chegou o dia da despedida, o dia em que eu e o meu irmão não tínhamos a noção do que ia acontecer. 17 De Agosto o dia em que a minha vida mudou por completo, escola nova, amigos novos, casa nova e uma cultura nova. Com apenas 8 anos comecei a viver uma realidade que gostava que muitas pessoas vivessem. O facto de estar longe do meu país e da minha família fez-me dar valor à família, porque no fundo estávamos sozinhos, num país que nos era totalmente desconhecido. No entanto em 2 meses fiquei a conhecer os sítios mais lindos e paradisíacos de Moçambique. As praias como mar azul-turquesa, os hotéis que não passavam de barracas de madeira que faziam barulho por todo o lado onde andávamos, as viagens de longas horas em que metade do caminho era mato e areia, as praias desertas com apenas os vendedores de pulseiras e capulanas, todos estes lugares convenceram-me que Moçambique ia ser a minha casa.
E passados dez anos Moçambique tornou-se mesmo a minha casa, o meu país. O povo Moçambicano era o meu povo. A cor da nossa pele não importava, nós eramos todos iguais, eu era como eles, eu cresci com eles, cresci com a humildade de um povo pobre, fui criada por uma mãe moçambicana que até hoje está presente na minha vida.
Dez anos depois deixei o meu segundo país para vir estudar para Portugal. Deixei noutro continente os meus pais e o meu irmão. Foi sem dúvida a despedida mais dolorosa da minha vida, dizer adeus por aquele vidro do aeroporto e saber que só os ia voltar a ver seis meses depois.
Foram os dez anos mais felizes da minha vida. E para ser sincera dava tudo para lá estar neste momento. Sei que a vida é em frente e não devemos querer repetir as nossas experiências, mas tenho saudades. Não consigo expressar em palavras o que este país significa para mim, muito menos explicar o impacto que teve na minha vida e na minha família.
Agora faz parte da memória. Tive sem dúvida a vida de um verdadeiro emigrante, senti na pele o que era deixar uma família para trás com apenas oito anos, vivi momentos em que só queria voltar para Portugal, mas agora que cá sinto que é tudo tão diferente do que imaginava. As pessoas são diferente, o país então nem se fala, as pessoas em Portugal são diferentes num aspeto negativo, podem ser trabalhadoras e empreendedoras, mas são egoístas, são fracas, são ignorantes perante a realidade que que as rodeia. Vivi num país em que o povo não tinha direito a nada, que era feliz com água e arroz, visitei escolas onde em cada sala de aula cabiam 70 alunos, onde o espaço de recreio era areia, onde as crianças nem sequer sabiam o que era uma escova de dentes e um telemóvel.
O que mais me fez crescer como mulher foram as acções de voluntariado pelo país. Construí uma biblioteca em conjunto com a minha turma de secundário, criamos materiais de aprendizagem para as crianças, demos formações aos professores, proporcionamos momentos de desporto colectivo entre os alunos. Em 2016 durante um fim-de-semana juntei-me a uma ONG de serviço dentário que fazia voluntário por várias partes do mundo, visitamos o hospital central da Macia (província de Moçambique), observei crianças com duas ou mais caries na boca, presenciei a cirurgias sem qualquer tipo de anestesia, dei formação e palestras às crianças de como ter uma alimentação saudável e de como lavar os dentes e participei num rastreio dentário em que mais de oitenta porcento da turma se encontravam com problemas dentário. A melhor parte de tudo isto era o contacto com as pessoas que viviam numa realidade completamente diferente da minha.
Em Moçambique cresci como ser humano, e estarei eternamente grata pela vida que os meus país me proporcionaram, pois se nunca tivesse entrado naquele avião em 2008 não seria a mulher que sou hoje .