A minha irmã Raquel Soares


A primeira vez que vi a minha irmã, tinha ela apenas três anos de idade, escondia-se de uma sala de estranhos colocando-se estrategicamente por trás das pernas dos meus pais. Ao contrário ao meu irmão que tinha sido adoptado quando apenas contava com um ano de idade, quando coisas com ascendência ou cultura ainda lhe eram noções inexistentes, o tempo que a minha irmã passou em cabo verde foi suficiente para a ilha passar a ser parte dela. As marcas africanas eram impossíveis de ignorar nela.
Palavras melódicas crioulas eram atiradas casualmente ao ar mas rapidamente se substituam por gestos zangados quando nós não percebíamos o que ela queria dizer. Amava comer papaia e peixe, e comia sempre até não haver nada no prato fosse qual fosse a comida. Apenas brincava com bonecas de plástico e pano, tinha pavor a qualquer peluches, não percebia aquele animal morto feito de pelo. Mas onde a essência africana se acendia mesmo nela era quando a minha mãe punha no carro cds que tinha comprado em Cabo Verde e minha irmã cantoralava alegremente tentando imitar a batida ou mesmo, quando estava menos tímida, dançava no meio da sala as danças que alguém que não nós lhe tinha ensinado.
Com os anos, estas marcas do país onde ela nasceu foram desaparecendo. Do crioulo apenas a palavra luchi (luz) é relembrada. Como qualquer menina privilegiada, faz birras à mesa e se recusava-se comer quando o jantar não é bifes com batatas fritas e o seu boneco favorito agora é um peluche de um unicórnio arco-íris. Tristemente afirma mesmo não ter quaisquer memórias do tempo passado na sua terra-natal. No entanto, se prestarmos atenção suficiente vemos que ainda existe algo de áfrica dela, que estas marcas não desaparecem completamente. A minha irmã ainda adora dançar e trocou a sala pelos palcos onde a vejo brilhar todos os anos. A manga continua a ser a fruta favorita dela, se por ser a fruta dos seus primeiros anos nesta terra ou apenas por ser doce é um mistério. Apesar de preferir o pop adolescente das personagens da Disney esforça-se para ouvir os raps em crioulos que o meu irmão lhe vai mostrando. Na verdade, acho que a sua ligação a cabo verde se resume a este orgulho que ela tem quando dizem que algo ou alguém é de Cabo Verde, os seus olhos brilham enquanto diz "mãe isto é da minha terra, isto é de Cabo Verde."